Por que há um abismo entre finanças e matemática?
Na verdade, esse título está um pouco exagerado, poderia ser corrigido facilmente e substituído: “Por que há um detalhe entre finanças e matemática?”. Você saberia me dizer que detalhe seria esse? Às vezes o óbvio precisa ser dito, e nesse caso, o óbvio significa que estudamos finanças por séculos sem considerar o comportamento do ser humano.
Esse pequeno detalhe foi observado por alguns psicólogos ainda nos anos 70. Dois deles precisam ser citados aqui, Daniel Kahneman e Amos Tversky. Kahneman em 2002, foi o primeiro psicólogo a ganhar o prêmio Nobel de Economia e Tversky só não recebeu porque faleceu em meados dos anos 90, vítima de um câncer. Essa dupla revolucionou o mundo das finanças através da psicologia cognitiva. Eles são nomeados como país das Finanças Comportamentais, a perspectiva que nos ajuda a entender como os aspectos psicológicos impactam no seu comportamento financeiro.
O livro publicado por Kahneman e dedicado a Tversky, Rápido e Devagar: duas formas de pensar, resume mais de 40 anos de estudos. De forma bem resumida, em suas pesquisas os autores desconstruíram a Teoria da Utilidade Esperada, a principal Teoria da Decisão que fundamentou praticamente todas as Teoria de Finanças.
Pois então, com as Finanças Comportamentais lhes comunico que a história de que somos seres racionais, de que agimos pela razão e não pela emoção, caiu por terra. Com essa perspectiva conseguimos compreender um pouquinho das incongruências do comportamento humano.
E afinal, o que está por trás de cada decisão que tomamos? Medo, insegurança, experiências, memória, ego... A subjetividade humana. Pesos e proporções diferentes com relação à vida, dinheiro, saúde e beleza. Cada pessoa vê o mundo com sua perspectiva. Toda decisão traz uma bagagem e com isso equívocos de lógica, mecanismos que o cérebro usa para enganar-se a si mesmo, para manter-se com sua percepção. Esses equívocos de lógica podem ser separados em dois grandes grupos: os vieses e as heurísticas. Apesar de serem divididos em grupos, geralmente mais de um padrão pode ser percebido ao mesmo tempo.
Os vieses são todos os padrões de julgamentos errados que fazemos nas tomadas de decisões financeiras. As heurísticas são os atalhos que o cérebro cria para tomar decisões de forma rápida.
Dois exemplos bem comuns:
- Disponibilidade: Neste atalho mental, o cérebro estabelece a probabilidade que um evento tem de acontecer novamente, apenas com base na lembrança de algum evento similar do passado, aquilo que está disponível em nossa mente.
- Confirmação: No viés de confirmação, as pessoas dão mais peso para as informações que confirmam as suas convicções. Por exemplo, se um investidor deseja aplicar em determinada empresa, ele dá maior credibilidade aos dados que confirmam a sua vontade de investir nela.
Hoje já existem mais de 300 heurísticas e vieses catalogados na literatura, e as pesquisas ainda são recentes, é a ponta do iceberg. Para entender de finanças, precisamos antes entender de pessoas. A matemática não aceita comportamento, ela é robótica, perfeita e exata. Como falei lá no título, o abismo, talvez realmente seja.
Trazendo para nosso dia a dia, uma das coisas óbvias no mundo das finanças e investimentos, é que precisamos ter uma reserva de emergência. Mas seja bem sincero (a) comigo, você possui uma reserva de emergência? Eu quero acreditar que sim, mas vou te entender caso não tenha. Isso é contraintuitivo. Os recursos são finitos e nós não lidamos bem com escassez, a gente não quer pensar nisso.
Nosso cérebro é superpositivista, ele quer que você viva hoje como se não houvesse amanhã, é contraintuitivo pensar em emergência, doenças, carro quebrado, cano estourado. A gente sabe o que precisa fazer, mas efetivamente não faz. Sabemos que precisamos registrar nossas finanças pessoais, ter um orçamento planejado, metas e objetivos... Mas a gente se sabota. Amanhã eu faço, mês que vem anoto tudo, na segunda eu começo a dieta. Pequenos exemplos que demonstram a incongruência do nosso comportamento. É por isso que as finanças não se referem a matemática, mas sim a comportamento. A matemática não aceita procrastinação, desculpas e preguiça.
O comportamento de cada ser humano com o dinheiro, qual a perspectiva dele com o dinheiro, com os sonhos, com o futuro? Você já refletiu sobre o que o dinheiro significa para você? Há tanta coisa englobada em cada decisão que tomamos, inclusive nas nossas decisões financeiras. Costumo dizer que investir é sobre fazer sentido, cuidar da sua saúde, dos sonhos e das suas finanças também. Afinal, faz sentido para você? Se fizer sentido você está mais propício a pensar com um pouco mais de racionalidade, ter disciplina, responsabilidade, seu comportamento tende a seguir seus planos e suas metas.
Não temos como ligar e desligar um botão de emoções, outro de racionalidade, o ser humano é isso mesmo, tudo junto e misturado. Mas se você se organizar e tiver consciência dos seus vieses, você tende a ser mais assertivo. Sempre haverá equívocos, arrependimentos... Mas se você quiser cuidar melhor das suas finanças, primeiro busque entender sobre seu comportamento, os ativos e passivos, créditos e débitos, enfim, a matemática é o de menos.
Geizi Cássia Bettin do Amarante
Bacharel em Economia e Mestra em Administração
Assessora de Investimentos
@geizibettin